DOUTRINA DA IGREJA CATOLICA
Introdução
Segundo o Catecismo de São Pio X, a doutrina católica "é a doutrina que Jesus Cristo Nosso Senhor nos ensinou, para nos mostrar o caminho da salvação" e da vida eterna.[2] "As partes principais e mais necessárias da Doutrina […] são quatro: o Credo, o Pai-Nosso, os Mandamentos e os Sacramentos".[3][4]
A Igreja Católica professa que todas as coisas que ela acredita foram sendo gradualmente reveladas por Deus através dos tempos, atingindo a sua plenitude e perfeição em Jesus Cristo,[5] que é considerado pelos católicos como o Filho de Deus, o Messias e o Salvador do mundo e da humanidade.[6][7] Mas, a definição e compreensão da doutrina católica (que é baseada na Revelação) é progressiva, necessitando por isso do constante estudo e reflexão da Teologia, mas sempre fiel à Revelação divina e sempre orientada pelo Magistério da Igreja.[8]
Para os católicos, a sua fé em Deus inclui a sua livre e total entrega (e amor) "a Deus, prestando ao Deus revelador o obséquio pleno do seu intelecto e da sua vontade, e dando voluntário assentimento à Revelação feita por Ele".[9] Esta Revelação é transmitida pela Igreja sob a forma de Tradição.[10] A fé em Deus "opera pela caridade" ou amor (Gal 5,6), por isso a vida de santificação de um católico obriga-o, além de participar e receber os sacramentos, a "conhecer e fazer a vontade de Deus",[11] através, como por exemplo, da prática dos ensinamentos revelados (que se resumem nos mandamentos de amor ensinados por Jesus), das boas obras e também das regras de vida propostas pela Igreja fundada e actualmente encabeçada por Jesus.[4][12][13][14][15][16][17] Essa entrega a Deus tem por finalidade e esperança últimas à sua própria salvação [18][19] e à implementação do Reino de Deus. Neste reino misterioso, o Mal será inexistente e os homens salvos e justos, após a ressurreição dos mortos e o fim do mundo, passarão a viver eternamente em Deus, com Deus e junto de Deus.[20]
As principais verdades da fé encontram-se expressas e resumidas no Credo dos Apóstolos, no Credo Niceno-Constantinopolitano e também em variadíssimos documentos da Igreja, como por exemplo no "Catecismo da Igreja Católica" (CIC). Actualmente, para um acesso e compreensão mais fácil à doutrina, encontra-se também a síntese do CIC, designada por "Compêndio do Catecismo da Igreja Católica" (CCIC).[1]
[editar] Dogmas, verdades de fé e hipóteses
A Igreja Católica, bem como todas as outras Igrejas cristãs, professa um conjunto bastante alargado de doutrinas. No entanto, apesar de todas fazerem parte da fé professada pela Igreja, existe entre elas "uma ordem ou hierarquia […], já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é diferente".[21]

Deste modo existem os Dogmas, que são verdades infalíveis e "absolutamente seguras sobre as quais não podem pairar nenhuma dúvida",[24] constituindo por isso a base de toda a doutrina católica.[25] Os dogmas são definidos e proclamados solenemente pelo Supremo Magistério (Papa ou Concílio ecuménico com o Papa [26]) como sendo verdades definitivas e imutáveis, porque eles estão contidos, implicita ou explicitamente, na Revelação imutável ou têm com ela uma "conexão necessária".[27] Uma vez proclamado solenemente, "nenhum dogma pode ser negado, nem mesmo pelo Papa ou por decisão conciliar".[24] Por isso, o católico é obrigado a aderir, aceitar e acreditar nos dogmas de uma maneira irrevogável.[27]
Além dos Dogmas, existe ainda muitas definições doutrinárias que, não estando "expressamente definidas nas Sagradas Escrituras ou pela Tradição, […] suscitam ainda dúvidas porque seus contornos não se encontram plenamente desenvolvidos".[24] Estas definições, que depois podem se tornar em dogmas (ver a subsecção Magistério da Igreja e desenvolvimento da Doutrina),[24] são divididas em:
- "Verdades de fé", que "são objeto de crença e reverência por toda a Igreja, mesmo que ainda não tenham recebido o selo do dogma e possam sofrer alguma modificação" ou desenvolvimento posterior;[24]
- "Verdades próximas à fé", que "são aquelas verdades que estão a um passo de se tornarem" verdades de fé;[24]
- Hipóteses que a Igreja, como tal, não subscreve oficialmente, mas que podem ser acreditadas ou não por parte dos seus fiéis, sem prejuízo da fé católica, e que permanecem só como hipóteses de trabalho e reflexão "por parte de teólogos devidamente credenciados pela Santa Sé".[24]
[editar] Ortodoxia, Heterodoxia e Heresia
Além da Doutrina oficial ou ortodoxa proposta pela Magistério da Igreja Católica, apareceram várias outras versões teológicas heterodoxas, sendo actualmente a teologia da libertação um dos seus exemplos mais paradigmáticos. Estes desvios do "ensino normativo da Igreja" podem ser tolerados ou então condenados pela Igreja. Porém, estas doutrinas não são consideradas heréticas por não pôr em causa dogmas ou outras verdades fundamentais.[28][29]
[editar] Revelação divina e Tradição
Segundo a fé católica, "Deus revela-se ao homem […], mediante acontecimentos e palavras", para que o homem conheça Deus e o "seu desígnio de benevolência, que Ele, desde a eternidade, preestabeleceu em Cristo a favor dos homens. Tal desígnio consiste em fazer participar, pela graça do Espírito Santo, todos os homens na vida divina, como seus filhos adoptivos no seu único Filho, que é Jesus Cristo.[31] Esta infalível Revelação divina, manifestada já desde do princípio do mundo e ao longo dos séculos que correpondem ao Antigo Testamento, é plenamente realizada e completada em Jesus Cristo.[5] "Com a morte e a ressurreição de Cristo, nada mais será revelado aos homens até à Parusia".[24] Mas, "apesar de a Revelação já estar completa, ainda não está plenamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance, no decorrer dos séculos".[32]
A partir daí, com a assistência e inspiração sobrenatural do Espírito Santo, a Revelação imutável (ou o depósito de fé) é transmitida ininterrupta e integralmente pela Igreja através de uma dupla Tradição (que em latim significa entrega ou acto de confiar) indissociável,[33] que pode ser oral ou escrita (2 Tessalonicenses 2,15; 2 Tim 1,13-14; 2,2):
- a Tradição oral ou simplesmente a Tradição, radicada essencialmente no testemunho dos Apóstolos à revelação de Jesus, aos quais Ele "deixou o encargo de levar o Evangelho da Salvação a todas as criaturas, testemunho depois assumido" e transmitido integralmente aos fiéis pelos bispos. A Tradição "conserva a Palavra de Deus, confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, e transmite-a integralmente aos seus sucessores" (os bispos unidos com o Papa), "para que eles, com a luz do Espírito Santo, fielmente a conservem, exponham e difundam na sua pregação".[33][34]
- a Tradição escrita ou a Sagrada Escritura (Bíblia), que é o produto do registo escrito da Tradição oral pelos 4 evangelistas e outros escritores sagrados, sempre inspirados pelo Espírito Santo. Para os católicos, a Bíblia é constituída por 73 livros divinamente inspirados, que são organizados no Antigo Testamento e no Novo Testamento (a palavra testamento significa, neste caso, aliança entre Deus e o homem).[33]
Nem toda a tradição oral foi registrada, sendo ela hoje ainda transmitida oralmente e sob a forma de hábitos, ensinamentos ou costumes de geração para geração pelos bispos e pelo Papa.[33]
Apesar de a Revelação divina já estivesse completada em Jesus, isto não impede que, "no decurso dos séculos, tem havido revelações ditas «privadas», algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja". Mas, estas revelações privadas (ex: as aparições marianas) "não pertencem ao depósito da fé. O seu papel não é «aperfeiçoar» ou «completar» a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa determinada época da história".[35] Por isso, "o Magistério da Igreja […] não pode" aceitar as revelações privadas "que pretendem superar ou corrigir a Revelação definitiva que é Cristo".[36]
[editar] Magistério da Igreja e desenvolvimento da Doutrina

A Tradição, seja ela oral ou escrita, é interpretada e aprofundada autentica e progressivamente, à luz da Revelação, pela Igreja. Foi com base nesta interpretação fiel que ela "definiu quais os livros que fazem parte do cânone das Escrituras". A Igreja "não tira só da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas", querendo isto dizer que as Tradições oral e escrita "devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e reverência".[38] Esta autoridade de poder interpretar e ensinar a Tradição chama-se Magistério.[33]
O Catecismo da Igreja Católica afirma que, "apesar de a Revelação já estar completa, ainda não está plenamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance, no decorrer dos séculos".[32] Por isso, a Igreja admite a clarificação e o desenvolvimento progressivo da sua doutrina, bem como os costumes e a expressão da fé dos seus fiéis, ao longo dos séculos. Mas, nunca se deve confundir a interpretação gradual da Revelação (que resulta depois na formulação e no desenvolvimento doutrinal) e a matéria da própria Revelação (ou depósito de fé), que é inalterável. Por outras palavras, o Magistério da Igreja, ao meditar sobre "as realidades […] e as palavras do depósito da fé", aperceberá progressivamente "de certas facetas deste diamante da Revelação que antes não [se notou] explicitamente".[8]
Este entendimento progressivo, que não adiciona nada à Revelação em si, é designado por "crescimento na inteligência da fé". Este crescimento fez-se à custa do estudo de inúmeros teólogos, bispos e Papas, muitas vezes reunidas em concílios ecuménicos, bem como dos famosos Pais e Doutores da Igreja, sempre sob a orientação do Magistério da Igreja e sempre sob a assistência e a "graça do Espírito Santo".[39] Fazendo isto, esta pessoa divina purifica gradualmente a Igreja, levando-a a conhecer mais profunda e correctamente as variadas facetas e realidades da Tradição.[8]
O processo do desenvolvimento doutrinal, que tem que ser sempre contínuo e fiel à Tradição católica, implica a formulação (e não a criação) gradual e infalível de dogmas, que, uma vez proclamados, são imutáveis e eternas.[8] Mas, "a definição dos dogmas ao longo da história da Igreja não quer dizer que tais verdades só tardiamente tenham sido reveladas, mas que se tornaram mais claras e úteis para a Igreja na sua progressão na fé".[40] Uma vez proclamado solenemente, "nenhum dogma pode ser negado, nem mesmo pelo Papa ou por decisão conciliar".[24]
[editar] Notas históricas

Os principais dogmas da doutrina cristã acerca de Deus, da Santíssima Trindade, de Cristo (e da sua natureza e concepção virginal) e da Salvação ficaram praticamente definidas nos primeiros concílios ecumênicos: Primeiro Concílio de Niceia (325), Primeiro Concílio de Constantinopla (381), Concílio de Éfeso (431) e Concílio de Calcedónia (451). Tais verdades definitivas estão sintetizadas no Credo Niceno-Constantinopolitano.[43]
Santo Agostinho, no século V, baseando-se nas epístolas de S. Paulo, desenvolveu a doutrina do pecado original e da graça. A partir do século XIII, vários teólogos, nomeadamente São Tomás de Aquino, procurou reafirmar que a fé supera mas não contradiz a razão humana. No século XVI, o Concílio de Trento tornou definitiva a doutrina dos sete sacramentos e reiterou a presença real de Cristo na Eucaristia. Após este Concílio, no confronto com os protestantes, desenvolveram-se as grandes doutrinas relativas à Igreja.[43]

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, os jesuítas e os jansenistas confrontaram-se com polémicas acerca do papel da graça e da participação do homem na sua própria salvação. Durante o século XIX, foram proclamadas como dogmas a Imaculada Conceição de Maria e a Infalibilidade Papal. E, em meados do século XX, foi proclamado pelo Papa Pio XII o dogma da Assunção da Virgem Maria ao céu. Este foi a única vez que um Papa usou solenemente a infalibilidade papal.[43]
O último concílio ecuménico realizado foi o Concílio Vaticano II, onde se tratou de vários temas como a Liturgia, a constituição e a pastoral da Igreja (que passou a ser alicerçada na igual dignidade de todos os fiéis e a ser mais virada para o mundo moderno), a relação entre a Revelação divina e a Tradição, a liberdade religiosa, o ecumenismo e o apostolado dos leigos. Não foi proclamado nenhum dogma, mas as suas orientações doutrinais e pastorais são de extrema importância para acção da Igreja nos tempos actuais.[46][47][48]
[editar] A doutrina e o conhecimento científico

O Magistério da Igreja Católica defende que boa parte da Tradição, nomeadamente da Bíblia e mais especificamente o livro de Gênesis, devem ser interpretadas como alegorias e de acordo com os costumes e com os conhecimentos científicos da época. Neste caso, estas alegorias seriam portadoras de verdade teológica, mas que não possuiriam necessariamente verdade histórica ou científica.[50] Logo, as interpretações literais são oficialmente abandonadas, muito embora ainda permaneçam certos sectores mais conservadores e fundamentalistas que não o aceitam por inteiro. Esse modo alegórico de interpretar a Bíblia não é algo surgido apenas nos tempos atuais. Por exemplo, já no século V, Santo Agostinho afirmava que as Sagradas Escrituras deveriam ser interpretadas de modo a harmonizá-las com os conhecimentos disponíveis em cada época sobre o mundo natural.[51][52]
Aliás, a Igreja Católica, defendendo o pensamento de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino, afirma que, "embora a fé supere a razão, não poderá nunca existir contradição entre a fé e a ciência porque ambas têm origem em Deus. É o mesmo Deus que dá ao homem seja a luz da razão seja a luz da fé".[53] Logo, a partir do século XX, a Igreja foi lentamente aceitando várias descobertas científicas modernas. Por exemplo, acabou por aceitar oficialmente as teorias do Big Bang e da evolução (estes com a constante intervenção divina), defendendo que são compatíveis com a crença da criação divina do mundo. Além disso, não considera o criacionismo e o design inteligente como teorias científicas ou teológicas.[54]
A Igreja Católica e a Ciência continuam a discordarem-se em questões relacionadas, como por exemplo, com a infalibilidade e a autenticidade da Tradição revelada; com a negação da existência de Deus e da alma (e da sua imortalidade); com os momentos exactos do princípio e do fim da vida humana; e com as implicações éticas da clonagem, da contracepção ou fertilização artificiais, da manipulação genética e do uso de células-tronco embrionárias na investigação científica.[55][56]
[editar] Deus e a Santíssima Trindade

A Igreja Católica, como parte do Cristianismo, acredita obviamente no monoteísmo, que é a crença na existência de um único Deus.[57] Ele é o Criador de todas as coisas e consegue intervir na História da sua própria Criação, bem como perdoar e salvar a humanidade, por isso alguns dos atributos divinos mais importantes são a omnipotência, a omnipresença e omnisciência.[58] Além destes atributos, Deus também é fortemente referido ao longo do Novo Testamento como sendo a própria Verdade e o próprio Amor: Deus ama e quer salvar todas as pessoas e estas podem estabelecer uma relação pessoal e filial com Ele através da oração.[59]
Mas, os católicos acreditam também no mistério da Santíssima Trindade, isto é, que Deus é um ser uno mas simultaneamente trino, constituído por três pessoas indivisíveis: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que se estabelecem entre si uma comunhão perfeita de amor. Para a Igreja, este dogma, que é uma das suas verdades centrais, não viola o monoteísmo.[60] Estas 3 Pessoas eternas, apesar de possuirem a mesma natureza, "são realmente distintas, pelas relações que as referenciam umas às outras: o Pai gera o Filho, o Filho é gerado pelo Pai, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, porém todos sempre existiram, não possuindo assim uma hieranquia entre o Pai, O Filho e o Espírito Santo".[61]
[editar] Deus Pai: Criador do Mundo
Deus Pai, a primeira pessoa da Trindade, é considerado o Pai perfeito porque Ele amou e nunca abandonou os homens,[62] os seus filhos adoptivos, querendo sempre salvá-los e perdoando-os infinitamente, desde que eles se arrependam de um modo sincero.[63] Ele não foi criado nem gerado e é considerado o “princípio e o fim, princípio sem princípio” da Vida, estando por isso mais associado à criação do mundo. Mas isto não quer dizer que as outras duas pessoas da SS Trindade não participassem também neste importante acto divino.[64]
O Credo Niceno-Constantinopolitano (texto aprova